Chegou às lojas esta semana a nova incursão musical da paulistana Negra Li, intitulado “Tudo de Novo”. Lançado pela Universal Music, o álbum é o segundo trabalho solo da cantora e rapper, desta vez apostando num repertório claramente direcionado à soul music, com fortes referências ao universo de Hyldon, Tim Maia, Diana Ross e Aretha Franlkin.
A relação de Negra Li com a música envolve questões delicadas de gênero e identidade. Crescida num universo predominantemente masculino que é o rap, Liliane de Carvalho veio passando por uma metamorfose vocal e estética, à medida em que firmou parcerias e conquistou mais espaço no território musical. A postura marrenta, tão tipica do gênero que lhe lançou, foi aos poucos dando espaço para que ela mostrasse outras nuances vocais. Muitos puristas podem até embarcar no lugar-comum de “traição do movimento”, enquanto outros podem simplesmente constatar que a cantora tem voz para poder ir além da pegada do rap, onde o talento vocal é bem-vindo, mas é coadjuvante da atitude e da rima.
Basicamente um disco de intérprete, “Tudo de Novo” soa como se Negra Li tivesse à sua disposição uma imensa folha branca sem limites para traçar cores e linhas com a sua voz, que é de fato muito bonita. O disco possui momentos de diva black dançante da Motown com marcação ritmada e arranjos de cordas contagiantes, como na faixa de abertura, “Tudo de Novo”, “Não Vá” e “Hoje eu só quero ser Feliz”, com letra e arranjo de metais que leva o ouvinte de volta ao suingue de Sandra de Sá em meados dos anos 80.
O ritmo contagiante e balançado abre espaço para o romantismo agridoce da letra de “Vai Passar”, composição de Sérgio Britto, dos Titãs, que é uma forte candidata a hit nas rádios. Se conquistar espaço de execução em mídia nacional, Negra Li terá uma oportunidade de ouro para conquistar mais admiradores e reacender a chama daqueles que a acompanhavam desde os tempos do RZO (Rapaziada da Zona Oeste), grupo que a lançou.
“Tudo de Novo” também passeia por outros gêneros da cultura negra contemporânea, exemplo do jazz “Como Iguais” (também escrito por Britto), além de uma balada ao violão de Leoni (ex-Kid Abelha) e Léo Jaime, e composições de Edgar Scandurra (ex-Ira!), e Leandro Lehart, que assina “Posso morrer de amor”, cuja sonoridade remete ao som de Luciana Mello (filha de Jair Rodrigues) nos áureos tempos do som black e urbano da gravadora Trama. A cantora também assina uma das canções, a suingada “Volta pra Casa”, em parceria com Khristiano Oliveira, que flerta com as suas raízes de rapper.
Di Ferrero, Negra Li e Rick Bonadio, durante as gravações de “Tudo de Novo”
O disco é produzido por Rick Bonadio, atual hitmaker que metralha as FMs brasileiras com produções realizadas para nomes como Charlie Brown Jr., Luiza Possi, Titãs, Ira!, e a nova geração capitaneada por Fresno, NxZero, Tihuana e CPM 22, entre outros. Talvez resida nesse ponto uma certa polêmica em discussão entre os fãs de Li: Bonadio é assumidamente pop, respeitado pelos executivos de gravadoras como um produtor capaz de moldar os artistas para os gostos do mercado musical massificado, convertendo álbuns em sucesso de vendas.
Tendo isto em vista, O que esperar de “Tudo de Novo”? Um disco descompromissado e leve de escutar, com arranjos elaborados e letras de forte tendência grudenta, mas nem por isso fracas. Muito pelo contrário. O que precisa ser mudado no seio da crítica e do público brasileiro é a posição hipócrita de achar que toda incursão pelo amplo e popular é uma venda de alma musical. Não é.
Como explicar toda uma devoção de torcida a favor pelo sucesso de um artista ou uma banda, para depois desenvolver uma crítica quando se chega nos andares mais altos da trajetória pelo reconhecimento do trabalho realizado? A responsabilidade das metarmofoses musicais está no próprio público. É nele que o cantor quer chegar. Ele é a razão do seu trabalho. Se os puristas de plantão torcem o nariz em casos bem-sucedidos, concentrem-se em fazer a sua parte e mostrem que existe uma diversidade infinita de sons e idéias que a mídia tradicional não deixa passar pelo seu funil.
Longa vida ao soul de Negra Li.
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